O câncer em 2024: estamos realmente avançando?
Artigo de Vivian Antunes - Oncologista Clínica do Grupo SOnHe
Anualmente, a “American Cancer Society” publica as estimativas para o câncer nos Estados Unidos, compilando os dados mais recentes de incidência e mortalidade. Os dados para o ano de 2024 foram recentemente divulgados.
Até 2021, os números apontavam para uma queda na mortalidade por câncer, com a estimativa de mais de 4 milhões de mortes evitadas desde 1991. Essa redução foi atribuída à diminuição significativa do tabagismo, à detecção cada vez mais precoce de alguns tipos de câncer e às melhores opções de tratamento, tanto no cenário adjuvante (quando a intenção é de cura), quanto nos casos de doença metastática (quando a intenção principal é o controle de doença e prolongamento da vida).
Contudo, esses avanços estão ameaçados pelo aumento da incidência em 6 dos 10 tipos mais comuns de câncer: mama, próstata, corpo uterino, pâncreas, colorretal e do colo do uterino.
Os atrasos no diagnóstico e tratamento decorrentes da pandemia pela COVID-19, em 2020, também devem resultar em um aumento de diagnósticos em estágios avançados e, consequentemente, em maior mortalidade, o que será respondido ao longo dos anos, e também se mostram uma ameaça aos dados que já foram mais animadores. O que já está bem estabelecido é o impacto desproporcional direto e indireto da pandemia na população negra, podendo agravar ainda mais as disparidades no âmbito do câncer, que já são bastante grandes.
Embora o avançar da idade seja o fator mais influente no risco de desenvolver câncer ao longo da vida, a proporção de novos diagnósticos em adultos com 65 anos ou mais vem diminuindo. Em contraste, a proporção de adultos entre 50 e 64 anos com a doença aumentou. Essa mudança reflete, em parte, reduções marcantes na incidência de câncer de próstata e câncer relacionado ao tabagismo entre homens mais velhos, e ao aumento do risco de câncer em pessoas nascidas a partir de 1950, pelas mudanças nos padrões de exposições durante a vida, como maior obesidade, por exemplo.
Como melhor exemplo de câncer com notável crescimento entre adultos com menos de 50 anos, está o câncer colorretal, que se tornou a principal causa de morte por câncer em homens e a segunda principal causa em mulheres, ficando atrás apenas do câncer de mama.
As taxas de incidência de câncer de mama têm apresentado um aumento gradual de cerca de 0,6% anual desde 2000. Na última década, o aumento na incidência foi mais pronunciado em mulheres jovens, com menos de 50 anos (1,1% ao ano) em comparação com aquelas com 50 anos ou mais (0,5% ao ano). Esse crescimento na incidência é atribuído, em parte, à diminuição da taxa de fertilidade e ao aumento da obesidade.
Ainda sobre as mulheres, foi demonstrado que a incidência do câncer do corpo uterino continua a aumentar cerca de 1% ao ano desde meados da década de 2000. E embora as taxas possam estar se estabilizando para mulheres brancas, elas continuam a aumentar em mais de 2% ao ano entre mulheres negras e hispânicas.
A incidência do câncer do colo do útero diminuiu em mais da metade desde meados da década de 1970, devido à ampla adesão ao rastreamento e tratamento de lesões precursoras. Os declínios se aceleraram nas coortes mais jovens e, portanto, mais vacinadas contra o HPV desde 2006. Em contrapartida, a incidência segue aumentando entre as mulheres de 30-44 anos. Espera-se que com o envelhecimento das mulheres vacinadas, o efeito protetor seja transferido para grupos etários mais velhos. Surpreendentemente, a grande imunidade de rebanho e a eficácia de dose única podem facilitar a proteção contra todos os cânceres associados ao HPV. Em contraste, os dados mais discrepantes, com enormes diferenças em incidência e mortalidade entre os estados americanos são vistos para esse tipo de câncer, já classificado como passível de prevenção.
Os dados apresentados alertam para uma mudança no perfil demográfico dos pacientes com câncer, com mais pessoas de meia-idade sendo diagnosticadas em comparação com os idosos. Conclui-se também, que os avanços na prevenção do câncer estão aquém do desejado, uma vez que a incidência continua a aumentar para 6 dos 10 principais tipos de câncer.
O progresso na redução das disparidades no câncer também está estagnado, especialmente entre mulheres negras, que apresentam taxas de mortalidade 40% mais elevadas para o câncer de mama e o dobro para o câncer do corpo uterino, a despeito de ter uma incidência semelhante.
Os dados apontam para a necessidade de iniciativas que acelerarem o progresso global contra o câncer, sendo crucial aumentar os investimentos em prevenção e em mitigar as disparidades.
*Vivian Antunes é formada em Medicina pela PUC-Campinas, Residência em Clínica Médica pelo Hospital PUC-Campinas e em Oncologia Clínica pela Unicamp. Possui título de especialista em Oncologia Clínica pela Associação Médica Brasileira – AMB/SBOC. Mestre pela FCM-Unicamp, doutoranda na FCM-Unicamp e membro titular da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), da Sociedade Europeia de Oncologia (ESMO) e da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas (SMCC). Sócia do Grupo SOnHe – Sasse Oncologia e Hematologia. Atua no Centro de Oncologia Vera Cruz e no CAISM/Unicamp.